*Escrito por Daniela Zanini
Sabemos que a primeira infância é o período de zero a seis anos de idade, enquanto a primeiríssima infância se refere, especificamente, aos primeiros três anos de vida do ser humano e é considerada, atualmente, a fase de maior importância para o seu desenvolvimento integral, já comprovado cientificamente.
Estudos apontam que em outros países o conceito de primeiríssima infância começou a ser levado em consideração a partir do século 18. No Brasil, contudo, a Educação Infantil ganhou relevância nacional e passou a ser enxergada como uma fase crucial do desenvolvimento humano apenas no início do século 20, com a fundação de instituições e a criação de leis voltadas para as crianças dessa faixa etária. Até então, uma criança de três anos aprendia a andar, falar, comer sozinha, dançar, brincar e cantar sem nenhuma intencionalidade, o que já era considerado um grande avanço para a idade. Cercadinhos e andadores as prendiam até que começassem a realmente a aprender algo relevante.
Quando se aprovou o Marco Legal da Primeira Infância, uma lei que garante os direitos relacionados a essa etapa fundamental da vida, tornou-se necessária essa subdivisão (a primeiríssima infância dentro da primeira) baseada em evidências científicas, pois os primeiros três anos são especialmente importantes para o desenvolvimento cerebral do ser humano, a aquisição da linguagem e a formação das funções executivas, que o aprendente levará para a vida adulta e sem as quais poderá enfrentar sérios problemas.
Portanto, a primeiríssima infância requer uma atenção especial, pois é uma fase em que se desenvolvem as potencialidades das crianças. Estudos científicos já apontam que algumas habilidades não desenvolvidas nessa fase podem não acontecer mais ou então acontecem lentamente, gerando grande prejuízo posterior ao aprendizado. Talvez isso explique as dificuldades que alguns adolescentes e jovens carregam sem saber exatamente o porquê. A frase “cada um tem seu tempo” não está correta. Cada um tem seu tempo dentro de um tempo pré-determinado.
Dessa forma, a infância é a fase crucial para o estímulo de várias habilidades e quem sabe já o domínio de algumas que serão importantes e fundamentais para a vida do ser humano, seja acadêmica e/ou profissional e social. Não há uma única habilidade que seja mais importante do que as outras, e essa convicção é bem atual, pois todas elas se influenciam mutuamente e se complementam, ou seja, quanto mais estimuladas do ventre materno aos três anos de vida, mais as crianças aprendem, mais amadurecem e mais se preparam para o que há de vir.
Adolescentes, jovens e adultos podem carregar para a vida acadêmica e/ou profissional e social vários “problemas” pelo simples fato de não terem sido estimulados em habilidades fundamentais no tempo certo durante sua infância. Quando ocorre de forma atrelada à cultura, à família ou a traumas, isso com certeza colabora para uma vida adulta de sofrimento e constante sentimento de frustração e/ou fracasso. Claro, tais “problemas” podem variar de acordo com cada caso, mas exemplos muito comuns são dificuldade de aprendizagem, baixo desempenho profissional e acadêmico, frustração além do comum, falta de autoestima, insegurança em tomadas de decisões e em relações, depressão, ansiedade, estresse, síndrome do pânico, medo, raiva, culpa, vergonha, isolamento social, sentimento de rejeição e convivência. Na pior das hipóteses, pode levar a vícios quando estes servem de aliados nessa luta pela sobrevivência emocional. Isso é sério!
As neurociências apontam que o cérebro de uma criança bem pequena, entre zero a três anos de idade, tem uma grande plasticidade, ou seja, está sempre aprendendo e é sensível a modificações, especialmente nos primeiros mil dias de vida, da concepção aos dois anos de idade, de forma surpreendente, até os três anos de idade. Nesse período, o desenvolvimento cerebral ocorre em uma velocidade incrível: as células cerebrais podem fazer até um milhão de novas conexões neuronais a cada segundo, uma velocidade única na vida inteira do ser humano. Repito: essa velocidade é única ao longo de toda vida. Essas conexões formam a base das estruturas que dão sustentação à aprendizagem ao longo da vida.
A falta de atenção, saúde, nutrição adequada, cuidados, segurança, proteção, amor e estímulos com intencionalidade pode impedir o desenvolvimento dessas estruturas cerebrais que estariam prontas e ávidas a aprender. É importante dizer que estímulo sem intencionalidade é prejudicial. Excesso de estímulos é prejudicial. Pular etapas é prejudicial. Por esse motivo, o profissional que trabalha com criança precisa estudar muito, pois tem em suas mãos um diamante a ser lapidado.
Por esse motivo, evidências científicas apontam que as experiências vividas na primeiríssima infância também estão relacionadas com acontecimentos na vida adulta, como um melhor desempenho acadêmico e/ou profissional, assim como menos problemas de saúde e até um menor envolvimento com criminalidade e outros fenômenos sociais. Em outras palavras, é mais vantajoso e eficaz investir nessa fase inicial da vida do que tentar reverter problemas que venham a se manifestar mais tarde.
Quais são tais habilidades? Como estimulá-las corretamente? Como observar/avaliar o desenvolvimento de uma criança e ter a certeza de que avançou em suas potencialidades? Bom, todas essas respostas são complexas, mas elas existem. Aqui precisamos focar em algumas delas: funções executivas, linguagem, vocabulário, autoestima, protagonismo, empatia, colaboração, autocontrole, criatividade, empatia, psicomotricidade e autonomia – isso tudo em meio a experimentações e brincadeiras, com o constante olhar atento e intencional do professor.
Trabalhar com as crianças, principalmente nesse tempo precioso da primeiríssima infância, é uma tarefa muito importante e desafiadora. O adulto precisa, antes de qualquer coisa, ter amor pelo trabalho, alegria estampada no rosto e formação acadêmica adequada à faixa etária atendida. É impossível um adulto muito exigente, severo, irritado ou até mesmo perfeccionista trabalhar com a idade das descobertas. Afeto, cuidado, alegria, disposição e atenção nessa idade – aliás, em todas – devem ser a marca registrada desse profissional.
É indispensável estabelecer vínculos afetivos e seguros com as crianças, respeitando suas individualidades, necessidades e ritmos. Como disse acima, o tempo de cada criança deve ser respeitado sim, mas dentro de um limite pré-estabelecido. O ambiente precisa ser acolhedor, estimulante e seguro, favorecendo a exploração, a curiosidade e a criatividade das crianças. É preciso proporcionar experiências diversificadas e significativas, que envolvam diferentes linguagens, como música, arte, literatura, movimento, brincadeira etc. O adulto deve observar e acompanhar o desenvolvimento das crianças, registrando seus avanços, dificuldades e interesses, e então dialogar e interagir com as famílias, valorizando suas contribuições e compartilhando informações sobre o cuidado e a educação das crianças. O professor também precisa buscar formação continuada e atualização sobre os temas relacionados à primeiríssima infância, como neurociência, desenvolvimento infantil e políticas públicas.
Portanto, as experiências vividas e aprendidas nos três primeiros anos de vida são capazes de moldar os sentimentos, as competências e o comportamento de um adulto. Bem estimulado nessa fase, ou seja, recebendo amor, cuidado, atenção e oportunidades de experimentações e aprendizagens, ele tende a ter um melhor desempenho acadêmico, social e profissional, assim como saúde e até um menor envolvimento com criminalidade e outros fenômenos sociais negativos. Esse ser humano na fase adulta pode ter mais facilidade para lidar com as frustrações, os desafios e as relações interpessoais, pois desenvolveu habilidades sociais, emocionais e cognitivas desde muito cedo, na fase certa.
*Daniela Zanini é coordenadora no Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Rede Batista de Educação.